Os desenhos

A menina estava na sala, sentada à mesa, a desenhar. Na rua, o vento e a chuva não permitiam grandes sonhos, pelo que a menina nem se atrevia a espreitar à janela. Não podia brincar no quintal, como fazia habitualmente. Não podia andar e correr, para trás e para a frente, com o seu cão.

Não podia ir para o balanço. Estava triste por isso, mas arranjara uma boa forma de contornar a questão: fazia desenhos.

Naquela manhã, a menina acordara entusiasmada, mas assim que viu pela janela o temporal que na sua cidade se instalara, logo perdeu a ilusão de brincar no quintal.

Ao mesmo tempo que se desiludiu, resistiu à sensação, e começou a desenhar.

O motivo do desenho era simples: uma menina brincava com o seu cão num jardim, debaixo de um sol radioso.

Desde muito cedo, a menina evidenciava um raro talento para o desenho.

De cada vez que um trabalho seu era mostrado a um adulto, havia sempre uma de duas dúvidas: se a menina tinha efetivamente a idade que os seus pais diziam ter, ou se tinha tido ajuda para fazer o trabalho. Só quem podia presenciar o ato criativo poderia confirmar, sem hesitação, o talento que estava naqueles desenhos.

À medida que foi crescendo, a menina começou a ver noticiários na televisão, ganhando consciência de que o Mundo não era, muitas vezes, um lugar parecido com aqueles que costumava desenhar.

Havia lugares que não tinham meninos felizes a brincar ou a passear com os pais, que não tinham animais em paz no seu habitat, que não tinham árvores ou água límpida. Havia lugares tristes e feios, por culpa do Homem.

A curiosidade da menina dava, inevitavelmente, lugar a perguntas. “Por que é que este lugar é assim?” Os seus pais tentavam dar a entender, sem especificar muito os motivos, que nem sempre os homens e as mulheres de cada lugar se entendiam, nem sempre estavam de acordo, e que, por vezes, discutiam muito, tornando os lugares mais tristes.

Esta descoberta começou a refletir-se, aos poucos, nos desenhos da menina. Sem que os pais se apercebessem, inicialmente, os desenhos começaram a ser, na sua maioria, retratos de lugares tristes.

O comportamento da menina refletiu este fator, também, pois costumava ficar mais triste, depois de desenhar.

Um dia sua mãe apercebeu-se daquela realidade e falou com a menina. Explicou-lhe que não podia fazer apenas desenhos tristes e disse-lhe que era importante desenhar lugares como aquele onde viviam, lugares onde as pessoas eram felizes.

A menina ficou a pensar naquelas palavras e, sem dar muito bem por isso, começou a fazer desenhos mais parecidos com os que fazia inicialmente. Voltaram os meninos, os cães e os gatos, os animais na floresta, o campo e a praia.

Um dia, a menina falou com a mãe, sobre os desenhos.

– Mãe, lembra daquela vez em que me disse que para não ter medo do escuro, podia pensar em coisas bonitas?

– Sim.

– Se eu fizer desenhos bonitos e se todos os meninos também fizerem desenhos bonitos, quando formos grandes, vamos querer que o Mundo seja como os nossos desenhos, não é?

– Claro! E todos vocês, quando forem grandes, vão fazer tudo para ajudar a tornar o Mundo um lugar melhor!

No dia seguinte, a menina acordou e foi à janela. Estava um lindo dia de sol. O cão estava no quintal. A menina foi à porta do quintal e disse ao cão:

– Espera um pouquinho, já vamos brincar. Vou só fazer um desenho!

Adaptado do Autor João Nogueira Dias